quinta-feira, 25 de junho de 2015

Antonio Prado das casas italianas e da Casa Olivo

Acabo de voltar do Rio Grande do Sul, muito feliz, de uma viagem com um propósito importante: garimpar novos vinhos, é claro, mas também resgatar um pouco da história do vinho brasileiro e de seu povo lutador. Afinal de contas o vinho é a integração única de terra, clima, uva, do saber fazer do homem e da história que o inspira, seja ela herdada da cultura de seus antepassados ou por uma afinidade apaixonada pelo vinho. E isso tudo o Rio Grande do Sul esbanja!


A primeira parada desta jornada foi em Antonio Prado, a 63km de Vacaria, que é a primeira cidade a que se chega ao Rio Grande do Sul pela BR-116. Antonio Prado é a mais italiana das cidades do estado, com um grande valor histórico e cultural. Lá 48 casas de madeira e alvenaria, construídas por aqueles primeiros imigrantes italianos que chegaram ao sul, foram tombadas pelo Patrimônio Histórico para preservar essa cultura. Andar pelo centro histórico da cidade é como viajar no tempo, imaginando como seriam aqueles tempos de trabalho duro, em que tudo teve que ser construído do zero.














   
Cada uma das casas tombadas tem na fachada uma placa contando a história das pessoas que a construíram, famílias que lá viveram e de pequenos negócios que foram iniciados nelas.
Algumas destas histórias são emocionantes, como estas:















E foi nesta pequena e histórica cidade, de pouco mais de 12.800 habitantes, que eu tive o grande prazer de conhecer um daqueles pequenos projetos vinícolas que tanto me encantam, a Casa Olivo do produtor Aureo Ditadi. Faz mais de um ano que eu descobri esta vinícola e o que logo me chamou atenção foi que, na contramão do que faz a maioria das vinícolas, a aposta foi nas uvas brancas, a primeira coisa que eu quis saber do Aureo quando cheguei lá. Então ele me contou que trata-se de um lugar com condições muito favoráveis para as variedades brancas, que é a região de Vacaria, em Campos de Cima da Serra. São 1033 metros de altitude, solos arenosos, temperaturas médias baixas, alta insolação durante o dia, grande amplitude térmica, menor incidência de chuvas e ventos constantes que mantém os vinhedos secos e protegidos da ação da umidade desta região.



Valeu a pena a visita, os vinhos são incríveis! A proposta é fazer vinhos mais puros, expressão deste lugar particular. Pelas condições próprias da região é possível praticar um cultivo mais sustentável, com uso mínimo de tratamentos nos vinhedos. A vinificação é feita com mínima intervenção e baixo uso de sulfitos.
O que me encantou nestes brancos deliciosos, além da qualidade e do cuidado com que são feitos, é sua personalidade única, que o produtor diz ser a marca do lugar e que a gente sente mesmo na taça. O fio condutor de todos os vinhos é um traço comum de mineralidade e floral nos aromas, e no paladar um toque final salgado e muito agradável, que eu já encontrei também no paladar de alguns outros vinhos produzidos em Campos de Cima da Serra.
Estas notas se combinam com a características particulares de cada uma dos varietais que ele produz: Chardonnay, Sauvignon Blanc, Viognier e Pinot Grigio, todos batizados com o nome de 1033, a altitude que deu o tom especial a estes vinhos.



Da nova safra de 2015, que ainda não está engarrafada, eu tive a oportunidade de provar apenas o Viognier. Acidez perfeita faz a boca salivar intensamente, deixando um incrível frescor. É delicado e elegante, com a base mineral e floral combinada a toques cítricos. O 2013 mantém o estilo aromático, um pouco mais discreto e com toque marcado de lima.



O Chardonnay que provei foi o 2012, bem diferente da maioria que se encontra no mercado. Neste se percebe a personalidade de Vacaria. Mineral e floral com calda de pêssego e pêra. Nenhum exagero ao paladar, álcool de 12,4% bem escoltado pela ótima acidez, outro traço marcante dos vinhos deste lugar que o produtor faz questão de preservar.

O Sauvignon Blanc é uma beleza, original, delicado e marcante. Provamos uma safra mais antiga, 2013, que já mostra um tom mais dourado na cor, revelando maturidade, mas que ainda irá resistir por mais um ou dois anos na garrafa. Ou mais, nunca se sabe... Tem uma incrível riqueza aromática. Mineral e floral são, como em todos, o pano de fundo, combinados a maracujá, cítricos, ervas frescas e uma deliciosa nota de goiaba branca. Esbanja frescor, com ótima presença em boca e aquele toque salgado que aparece depois de engolir. 
Não é a toa que o Aureo diz ser este o melhor vinho de todos!



O Pinot Grigio foi uma agradável surpresa para nós. O Aureo estava com receio em me apresentar, pois se trata de uma uva para vinhos de perfil jovem e este é 2013, que ele acreditava já estar passado, mas se animou quando eu disse que gosto dos vinhos evoluídos. E foi uma alegria provar este vinho, também já mais dourado na taça, e de uma riqueza aromática incrível! No RS se costuma fazer “chimia” de frutas, que é um tipo de geléia mais pastosa, ainda produzida de forma bastante artesanal, guardando os sabores naturais das frutas. E foi o aroma de uma chimia de figo que nós dois sentimos logo de cara. Aí vieram todos aqueles aromas dos vinhos evoluídos, de frutas secas como a amêndoa, damasco, e aquela maçã madura, quase passada, típica dos Chenin Blanc do Loire, que eu particularmente adoro! O paladar confirma estes aromas, com frescor, mas com acidez naturalmente mais baixa em relação aos outros três. 
Para quem gosta deste estilo de vinho, é um grande prazer!



Para fechar a degustação com chave de ouro o Aureo me apresentou uma surpresa: seu primeiro tinto da variedade Merlot, o Passo da Caveira. O nome tão diferente é uma homenagem da Casa Olivo a uma batalha histórica que aconteceu no município de Monte Alegre dos Campos, num local chamado Capão da Caveira, onde hoje estão os vinhedos. A safra é 2012 e, como seus irmãos brancos, traz o traço mineral que marca este lugar na forma de grafite, que acompanha todos os aromas que vão se revelando, de cereja, de ameixa e de pimenta preta. Teve uma breve passagem por carvalho francês, que lhe deu refinamento, mas sem esconder seus aromas deliciosos. Boca macia de Merlot, acidez na medida certa, corpo leve e bem elegante. Muito original, adorei!





                                                             


A produção total é pequena e não atinge ainda a capacidade total projetada para a vinícola de 20.000 litros/ano. E é assim que o Aureo pretende manter para garantir a personalidade e a qualidade que quer de seus vinhos. 
Conhecer este projeto me faz pensar em verdadeiros vinhos de terroir, um conceito que anda um tanto desgastado, mas que nestes vinhos a gente encontra sua pura expressão.


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